Enquanto Congresso não aprovar um projeto sobre o assunto, deverá ser aplicada a lei do racismo
Em julgamento concluído nesta quinta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que homofobia é crime. Por oito votos a três, os ministros equipararam as práticas de homofobia e transfobia ao crime de racismo.
Quem ofender ou discriminar gays ou transgêneros estará sujeito a punição de um a três anos de prisão. Assim como no caso de racismo, o crime será inafiançável e imprescritível.
Os ministros fizeram algumas ressalvas quanto a manifestações em templos religiosos. Não será crime dizer ser contrário à homossexualidade. Mas, caso pratiquem, induzam ou incitem a discriminação ou preconceito, poderão responder criminalmente por isso.
Ao fim da sessão, o ministro Celso de Mello, relator de uma das duas ações julgadas sobre o tema, leu a tese, uma espécie de resumo do que foi decidido. O texto, com três pontos, foi aprovado pelo plenário.
— A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer que seja a denominação confessional professada, a cujos fiéis e ministros é assegurado o direito de pregar e de divulgar, livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento e de externar suas convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e códigos sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua orientação doutrinária e/ou teológica — disse o decano do STF, ao ler o segundo ponto da tese.
A decisão estabeleceu ainda que os religiosos poderão “buscar e conquistar prosélitos e praticar os atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou privado, de sua atuação individual ou coletiva, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero”.
Fonte: O GLOBO
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Julgamento em seis sessões
Esta foi a sexta sessão dedicada ao julgamento de duas ações que tratam do tema. Seis ministros já tinham votado para equiparar a homofobia e a transfobia ao racismo: Celso de Mello, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux. Agora, mais dois votaram da mesma forma, totalizando oito: Cármen Lúcia e Gilmar Mendes.
Cármen Lúcia afirmou que, embora a Constituição de 1988 garanta a liberdade de todos e venham ocorrendo vários atos de ódio contra os homossexuais e transexuais, o Congresso está inerte quanto ao tema.
— Todo preconceito é violência, toda discriminação é causa de sofrimento, mas eu aprendi que alguns preconceitos impõem mais sofrimento que outros, porque alguns são ferias curtidas já em casa, na qual a discriminação castiga a pessoa desde o seu lar, afasta pai de filho, irmãos, amigos pela só circunstância de se experimentar viver o que se tem como sua essência e que não cumpre o figurino sócio-político determinante e determinado — disse Cármen Lúcia. Depois, acrescentou:
— A reiteração de atentados decorrentes da homo ou transfobia revela situação de verdadeira barbárie. Supera-se o não aceitar o diferente; quer-se eliminar o que se parece diferente fisicamente, psiquicamente, sexualmente. Negam-se as conquistas civilizatórias. Empreende-se ostensivo caminho de retorno a formas bárbaras de sobrevivência, não de convivência, pela destruição dos diferentes ou contrários. Vale a força. Nega-se o direito. Prevalece a brutalidade. Degradam-se os valores constitucionalmente afirmados.
O ministro Gilmar Mendes foi na mesma linha:
— Os dados apresentados durante este processo mostram extrema vulnerabilidade a que estão expostos os grupos LGBT no brasil. As informações dão conta de um estado reiterado de exposição de minorias a atos odiosos sem que haja resposta efetiva do Estado.
Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Dias Toffoli votaram de forma diferente. Assim como os outros ministros, Lewandowski e Toffoli entenderam que o Congresso está demorando a enfrentar a questão. Mas entendem que não é o caso de equiparar a homofobia ao racismo enquanto não houver lei.
Para eles, o STF deveria se limitar a comunicar o Parlamento sobre a necessidade de tomar medidas a respeito.
Lewandowski também destacou que a aprovação de uma lei, embora necessária, é apenas um primeiro passo.
Marco Aurélio, embora tenha condenado a violência contra homossexuais, sequer reconheceu a ocorrência de omissão do Congresso.
— Punir criminalmente a homofobia e a transfobia é simbólico. É simbólico. E é, segundo penso, apenas o primeiro passo. Reconheço que a lei pode muito, mas não pode tudo. Estamos aqui a tratar da necessidade de mudanças culturais complexas que, acaso vinguem, serão incorporadas ao repertório jurídico e policial paulatinamente. Essa reflexão, porém, não diminui a importância de que esse primeiro passo seja dado — disse Lewandowski.
Em 23 de maio, quando houve a última sessão do julgamento antes de ser retomado nesta quinta-feira, o plenário do STF decidiu que, mesmo com a decisão da Comissão e Constituição e Justiça (CCJ) do Senado de aprovar projeto de lei criminalizando homofobia e transfobia, julgaria os processos que tratam do assunto.
A presidência do Senado enviou comunicado da decisão da CCJ ao STF. Diante da manifestação, o tribunal declarou que o fato não impedia a continuidade do julgamento.
As ações foram propostas diante da omissão do Congresso Nacional para legislar sobre o assunto. O ministro Celso de Mello, relator do processo, argumentou em maio que a aprovação do projeto em uma comissão não garante a aprovação no Congresso, que ainda depende de outras fases de tramitação.
Na ocasião, ele lembrou que já se passaram 18 anos desde a apresentação do primeiro projeto de lei no Legislativo sobre o assunto.
Celso ainda ponderou que não há como prever se os parlamentares aprovarão o projeto, nem quando isso vai acontecer. Oito ministros concordaram com ele em maio. Apenas dois, Marco Aurélio e Toffoli, discordaram. Para ambos, o STF deveria aguardar a tramitação do projeto no Congresso, já que houve movimentação por parte dos parlamentares.